No dia 21 de novembro celebramos o dia mundial da televisão, ferramenta de comunicação que transformou as relações sociais desde sua invenção, no fim do século XIX, e disseminação por meio da indústria a partir da década de 1920. Desde então, os programas de televisão, que herdam os gêneros teatrais, surgiram, foram evoluindo e se multiplicando, ganhando protagonismo no dia a dia da população e despertando grande curiosidade sobre seu funcionamento. Dentre seus aspectos, buscamos explorar os cenários e apresentar a lógica que tem por trás dos ambientes televisivos.
Muito antes da invenção da televisão, desde o teatro grego, a cenografia já aparecia de diferentes maneiras, servindo como instrumento para envolver o público e somar aos atores durante a encenação. À medida que o teatro foi se transformando, a cenografia também se adaptou aos novos públicos, gêneros e mídias. Os teatros gregos, por exemplo, eram abertos e aproveitavam da topografia natural para garantir melhor acústica para seus espectadores, os quais se organizavam em volta de um círculo central onde aconteceria a encenação.
Neste círculo central é onde se localiza a skené, uma parede construída no extremo oposto aos espectadores, com aberturas pelas quais os atores se revelavam durante a peça. Com a evolução do teatro, a skené passou a ser caracterizada como a porta de uma residência, surgindo ali um dos primeiros cenários do teatro ocidental. Desde então, o teatro passou por inúmeras transformações, incluindo adventos tecnológicos que culminaram no cinema e posteriormente na televisão. A cenografia acompanhou essas transformações, adaptando não somente sua forma de funcionamento, mas também sua forma de fabricação. Para o pesquisador e professor Arlindo Machado, a televisão, quando comparada com o teatro, funciona segundo um modelo industrial, adotando suas estratégias produtivas.
Enquanto os cenários teatrais eram construídos artesanalmente, a partir de perspectivas com pontos de fuga considerando a plateia como foco principal, os cenários televisivos precisam se adaptar ao posicionamento das câmeras, além dos microfones e equipamentos de iluminação, a posição da equipe de direção e os movimentos dos atores em cena. Além disso, os cenários televisivos também precisam responder à logística de fabricação, montagem, desmontagem e transporte que existe nos estúdios de gravação, adaptando-se a cenas internas ou externas. Assim, ao se adaptar a uma mídia que exige alta velocidade, volume e rotatividade de programas, os cenários passaram a ter uma produção diferente, aproximando-se da industrial.
Para além de sua produção, os cenários são definidos principalmente pelo gênero, o qual, segundo João Batista Freitas, "orienta certos padrões na estrutura do programa, que vão do texto à cenografia, do figurino à edição, da duração do programa à topologia da cena." O gênero define fatores norteadores da concepção da composição cenográfica, ao ditar, por exemplo, quantidade de ambientes. Em sitcoms, séries de comédias situacionais que normalmente têm episódios curtos, os cenários são muito parecidos com cenários teatrais, já que muitas vezes lidam com plateia física. Nesse tipo de série existem poucos cenários, uma vez que a maior parte do enredo acontece no mesmo ambiente, em contraposição às telenovelas e minisséries, que têm uma variedade maior de cenários e são, em sua maioria, montadas exclusivamente para gravações.
Para além da quantidade e forma dos cenários, o gênero também influencia em sua materialidade e nos espaços que estão sendo reproduzidos. Enredos históricos, por exemplo, terão ambientação que exige certos tipos de acabamentos e objetos de cena diferentes de histórias atuais ou futuristas. Por fim, o gênero também direciona qual será o público da produção, o que também impacta na forma como a história será contada, nos enquadramentos e cortes, e consequentemente no que será destacado em cada cena, em cada cenário. Dessa forma, o gênero, definido pelos autores e pela direção, é o grande norteador da composição cenográfica, que é desenvolvida e fabricada pela equipe de cenografia.
A produção, por sua vez, combina as necessidades estéticas e plásticas com os preceitos técnicos. O projeto de cenário deve considerar, por exemplo, as necessidades estruturais, sendo pensados em módulos desmontáveis e armazenáveis, precisando, portanto, serem leves e de materiais facilmente moldáveis, como a madeira, o aço e o gesso. Também deve considerar os fluxos de cena, considerando a movimentação dos atores, o posicionamento das câmeras e a dinâmica da iluminação. Outro importante fator do projeto de cenário é a segurança no trabalho, uma vez que deve-se evitar qualquer tipo de acidente. Por fim, os cenários televisivos, principalmente, precisam lidar com a logística dos estúdios de gravação, e portanto devem ser de rápida fabricação, montagem e desmontagem.
Os programas de televisão têm o poder de nos transportar diretamente para outras realidades, no passado, no futuro, na fantasia. Por detrás dessa sedução há uma série de fatores que se combinam para que possamos desfrutar do produto final, sendo os cenários uma parte dele. A partir da definição do gênero, com o trabalho da direção e depois de uma logística produtiva industrial, a televisão se tornou um dos principais veículos de comunicação do século XX, dando origem também a outras plataformas que temos hoje, como os streamings, que fomentaram a adaptação de toda essa cadeia produtiva para seu funcionamento.
Referências